03 junho 2024

Jardins, estilos e identidades


Vivemos hoje uma pasteurização de estilos, de formas, de cores. Todas as cidades estão ficando mais parecidas, nós mesmos estamos cada vez mais iguais, nos vestimos com as mesmas roupas, usamos as mesmas cores, a moda é cada vez mais anódina, menos interessante, tem menos personalidade e a identidade esta sendo substituída pela “aura mediocritas” de Ovídio. Essa feliz mediocridade em que tudo tem uma cor pastel esmorecido, e os menos ousados assumem o preto como seu uniforme. 

A arquitetura segue por esse caminho a passos agigantados. A maioria dos edifícios parecem gigantescas caixas de geladeira que dificilmente se diferenciam um dos outros, a ousadia, a criatividade, e singularidade parece ter desaparecido sob camadas e camadas desinteressantes onde viceja a mediocridade mais reles. É difícil diferenciar uma construção de outra, até fica difícil saber se estamos no sul, no sudeste ou no nordeste. A pasteurização é tal que nada diferencia uma rua de outra, uma casa da outra, um prédio de outro. Até os materiais, as cores, a estética é a mesma. 

O paisagismo, lamentavelmente segue na mesma linha, a pesar da riqueza e variedade da nossa flora, a pesar de ter acesso a mais de 6.000 espécies de plantas para utilizar nos nossos projetos, os jardins têm cada vez mais a mesma cara, as mesmas texturas, as mesmas cores. Há vários motivos para explicar este fenômeno, nenhum deles bom o suficiente como para que possa servir de justificativa para que o Brasil de Burlemarx tenha se transformado num banal deserto verde, sem criatividade, sem ousadia, rasteiro, mediano, quase medonho.

Além de importar modelos de jardins que não tem cabimento no nosso clima, solo, paisagem e identidade, insistem estes paisagistas formados na faculdade do Pinterest em recriar a Toscana em Belém, a reproduzir o Texas na Serra do Mar ou em plantar no mesmo ambiente Heliconias com ciprestes, num exagero barroco que espantaria ao mais ousado.

Vamos lembrar que o paisagismo é a arte que tem uma relação mais direta com a natureza, com o bioma em que está inserido. Não podemos desvincular a paisagem do seu entorno. A pesar de ter hoje acesso a milhares de espécies, não devemos desrespeitar a relação que existe entre solo, clima, textura, forma, cor e principalmente com a paisagem em que o projeto está inserido. É absurdo plantar oliveiras em São Paulo, seguindo um modismo com pouco futuro, porque nem o clima é o adequado, nem as oliveiras desenvolverão bem num clima tão diferente do mediterrâneo de onde são originarias. Tão absurdo como plantar philodendrons em Estocolmo, ou laranjeiras em Versailles. Porque l´Orangerie real representava o capricho real de ter o que não se poderia ter. Na época centenas de jardineiros colocavam no inverno os vasos de limoeiros e laranjeiras nas estufas para protege-las do frio para coloca-las de novo nos jardins no final da primavera. Hoje como caprichosos monarcas temos a nossa disposição jardineiros / paisagistas dispostos a projetar jardins tão irreais como os de Avatar só para felicidade dos seus clientes. 

Não esqueçamos que o melhor projeto é aquele que se insere no seu entorno e se integra com a vegetação na sua volta, que as plantas adequadas para cada ambiente sofrem menos, são menos susceptíveis a pragas e doenças e se desenvolvem melhor. É isso o que um bom profissional não pode esquecer. Fazer um paisagismo honesto.


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